Entrevista Exclusiva – Yuri Schmitke, presidente da ABREN
Um bate-papo sobre impactos do PL 3.311/25
Nos próximos dias, o Senado Federal deverá apreciar o Projeto de Lei (PL) nº 3.311/25, que propõe a criação do Programa Nacional do Metano Zero (MetanoZero). O objetivo do PL é claro: reduzir as emissões de metano no Brasil, um dos gases de efeito estufa mais potentes, e ao mesmo tempo fomentar a produção de energia renovável a partir de resíduos.
O texto do projeto traz diretrizes importantes para integrar as políticas de gestão de resíduos urbanos, industriais e da agropecuária com a geração de energia limpa, contribuindo para a descarbonização da matriz energética brasileira. A proposta também altera a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), estabelecendo um novo marco para o setor.
Para entendermos melhor os impactos e as oportunidades que esse PL pode trazer para o país, o Portal Energia e Biogás conversou com Yuri Schmitke, presidente da Associação Brasileira de Energia de Resíduos (ABREN), entidade que participou ativamente da construção do texto do projeto. Nesta entrevista, ele comenta os principais pontos do PL, os avanços esperados e o papel estratégico da energia a partir de resíduos na agenda climática e energética nacional.
1. O PL 3.311/25 prevê a implementação de usinas de biodigestão em todo o território nacional. Na sua visão, quais são os principais gargalos técnicos, financeiros ou regulatórios que podem dificultar a implementação em larga escala, especialmente em municípios de pequeno porte?
Schmitke: A implementação de usinas de biodigestão em escala nacional enfrenta desafios relevantes. No aspecto técnico, destaca-se a carência de mão de obra especializada e de estrutura local para coleta seletiva de resíduos orgânicos, o que compromete a eficiência do processo de biodigestão. No campo financeiro, há uma dificuldade recorrente de municípios de pequeno porte em acessar financiamento para infraestrutura de médio e longo prazo. Ainda há entraves relacionados ao modelo de concessões, que demandam segurança jurídica e atratividade econômica para o investidor privado.
Do ponto de vista regulatório, falta padronização e agilidade nos licenciamentos ambientais, além de ausência de mecanismos claros de incentivo, como contratos de compra de energia de longo prazo ou tarifas diferenciadas para o biometano. O PL 3.311/25 avança ao prever simplificações para pequenos municípios, mas sua efetividade dependerá de regulamentação célere e do apoio técnico e financeiro do governo federal.
2. O setor de resíduos responde por cerca de 15,8% das emissões de metano no Brasil. Como o Programa Metano Zero poderá transformar este cenário em oportunidade para geração de biogás e biometano, principalmente em aterros sanitários e áreas urbanas mal atendidas por infraestrutura adequada?
Schmitke: O Programa Metano Zero cria as condições para uma mudança de paradigma na gestão de resíduos no Brasil. Ao integrar políticas de energia renovável com gestão de resíduos, ele estimula a valorização energética da fração orgânica que hoje é subaproveitada. A transformação de metano fugitivo em energia por meio de biodigestores representa não apenas uma estratégia de mitigação climática, mas também uma oportunidade econômica, gerando eletricidade e biocombustíveis com valor de mercado.
O programa propõe metas progressivas de desvio de resíduos de aterros e obriga os municípios maiores a realizarem estudos de viabilidade técnica e econômica para adoção dessas tecnologias. Além disso, a introdução da certificação “Metano Zero” poderá fomentar o mercado de carbono, ampliando a atratividade financeira dos projetos.
3. A Certificação de Origem Metano Zero poderá gerar créditos de carbono. Que mecanismos serão necessários para garantir a credibilidade e a rastreabilidade desse novo mercado, e como isso pode beneficiar economicamente as usinas de biodigestão no Brasil?
Schmitke: Para garantir a credibilidade e a rastreabilidade, serão essenciais metodologias robustas de mensuração das emissões evitadas, auditorias independentes e um sistema eletrônico nacional de registro com governança clara e transparência pública. A proposta do PL contempla todos esses elementos, ao exigir que os dados sejam verificados por entidades certificadoras autorizadas e que a certificação siga critérios técnicos auditáveis e renováveis periodicamente.
Essa estruturação é decisiva para que os certificados possam ser reconhecidos no mercado voluntário de carbono e, futuramente, em um eventual mercado regulado brasileiro. Para as usinas de biodigestão, isso se traduz em receitas adicionais oriundas da comercialização dos créditos, contribuindo para melhorar a atratividade econômica dos projetos e viabilizar financeiramente empreendimentos que hoje enfrentam dificuldades para fechar a conta apenas com a venda de energia e biofertilizantes.
4. O PL menciona o coprocessamento de CDR e a recuperação energética de resíduos. Como o setor de biogás pode se articular com essas rotas tecnológicas, e o que a ABREN propõe para evitar a competição entre elas e, ao invés disso, promover sinergia?
Schmitke: A ABREN defende uma abordagem complementar e integrada entre as rotas tecnológicas previstas no PL. A biodigestão deve ser priorizada para a fração orgânica limpa dos resíduos sólidos urbanos, agropecuários e industriais, com alto potencial de geração de biogás. Já o coprocessamento de CDR e a recuperação energética por incineração ou gaseificação são soluções eficazes para os resíduos não recicláveis, com alto poder calorífico e inviáveis economicamente para reciclagem. A sinergia entre essas rotas depende de um planejamento integrado de triagem, coleta seletiva e logística reversa.
A proposta legislativa da ABREN prevê cláusulas contratuais nos editais de concessão municipal que priorizem a biodigestão para resíduos orgânicos, reservando o CDR e o rejeito final para outras tecnologias. Isso evita sobreposição, garante eficiência ambiental e otimiza o aproveitamento energético de todas as frações.
5. A proposta estabelece metas conjuntas com diversos ministérios para a descarbonização. Como o setor de biogás será inserido nessas metas e o que a ABREN espera como papel da iniciativa privada nesse processo de articulação com o Comitê Interministerial do Programa Nacional do Metano Zero (CIPEM) e os órgãos públicos?
Schmitke: O setor de biogás será peça-chave no cumprimento das metas nacionais de descarbonização, especialmente no setor de resíduos. O Comitê Interministerial do Programa Nacional do Metano Zero (CIPEM), criado pelo PL, terá o papel de articular os diversos órgãos governamentais para estabelecer metas, promover modelos de concessão, criar instrumentos econômicos e mobilizar recursos financeiros.
A ABREN entende que a iniciativa privada deve ser protagonista na execução dos projetos, mas que o sucesso do programa depende da criação de um ambiente regulatório favorável, previsível e tecnicamente embasado. Espera-se também que os representantes do setor privado tenham voz ativa no CIPEM, contribuindo com dados técnicos, propostas de melhoria e experiências de campo, assegurando que as políticas públicas estejam alinhadas com a realidade operacional e com as melhores práticas internacionais.
Saiba mais:
- Projeto de Lei (PL) nº 3.311/25, que propõe a criação do Programa Nacional do Metano Zero (MetanoZero)
- Atividade Legislativa - Projeto de Lei n° 3311, de 2025
- Senado Federal votará projeto de lei do Programa Nacional do Metano Zero
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