O Mercado Livre de Gás Natural e Biometano no Brasil

autor: Heleno Quevedo
publicado em 25/08/2025 01:09 e atualizado em 25/08/2025 01:24
aproximadamente 15min50s de leitura
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O mercado livre de gás no Brasil abre espaço para competitividade e redução de custos. Nesse cenário, o biometano ganha destaque como alternativa renovável ao gás natural, com potencial de expansão, desde que regulado com clareza e acesso à infraestrutura.
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Foto: acervo pessoal HQL.
Colunista
Biogás em pauta, por Heleno Quevedo

O Mercado Livre de Gás Natural e Biometano no Brasil

Um Breve Guia Didático

Por Heleno Quevedo - Colunista do Portal Energia e Biogás

1.    Introdução

O setor de gás natural no Brasil tem passado por significativas transformações nos últimos anos, impulsionadas pela busca por maior competitividade, eficiência e diversificação da matriz energética. A abertura do mercado, antes dominado por um único agente, visa a criar um ambiente de livre concorrência, com benefícios para consumidores e investidores. Organizamos alguns pontos para debater sobre o funcionamento do mercado livre de gás natural, com foco especial na comercialização de Gás Natural e Biometano, as instituições envolvidas, os procedimentos necessários e a documentação para investidores, especialmente aqueles na área de biogás e biometano.

 

2.    O Mercado livre de gás natural no Brasil

O Mercado Livre de Gás Natural refere-se à liberalização do setor, permitindo que consumidores de grande porte (como indústrias) negociem diretamente a compra de gás com produtores, importadores ou comercializadores, sem a obrigatoriedade de adquirir o insumo da distribuidora local. Essa abertura busca promover a competição, reduzir preços e atrair novos investimentos (MME, 2025).

2.1.    Histórico e marco regulatório

O mercado de gás natural é relativamente novo no país, mesmo existindo há bastante tempo em termos de uso, sua abertura regulatória e construção de um ambiente competitivo são recentes.

Historicamente, o setor de gás natural no Brasil foi marcado pelo monopólio da Petrobras. A Emenda Constitucional nº 9 de 1995 flexibilizou esse monopólio, e a Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/1997) buscou abrir o mercado. No entanto, foi a Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134/2021), regulamentada pelo Decreto nº 10.712/2021, que estabeleceu o novo marco legal com as medidas necessárias para o "Novo Mercado de Gás" (MME, 2025).

O programa "Novo Mercado de Gás", do Governo Federal, tem como objetivo a formação de um mercado de gás natural aberto, dinâmico e competitivo, visando à redução do preço do gás e ao desenvolvimento econômico do País (MME, 2025).

 

2.2.    Agentes do mercado livre de gás natural

Diversos agentes atuam nesse ambiente, cada um com um papel específico:

  • Produtores: Responsáveis pela extração e produção do gás natural.
  • Importadores: Empresas que trazem gás natural de outros países para o Brasil.
  • Transportadoras: Operam os gasodutos de transporte, movimentando o gás dos pontos de produção/importação até os pontos de entrega (city-gates).
  • Comercializadores: Empresas autorizadas a comprar e vender gás natural para consumidores livres. Podem ser independentes ou vinculadas a produtores/importadores.
  • Consumidores livres: Grandes consumidores (principalmente indústrias) que optam por negociar diretamente o gás, buscando melhores condições comerciais.
  • Autoimportadores: Consumidores que importam seu próprio gás natural.
  • Distribuidoras de gás canalizado: Atuam na distribuição do gás aos consumidores finais em suas áreas de concessão. No mercado livre, elas fornecem o serviço de movimentação do gás adquirido pelo consumidor livre até seu ponto de consumo, utilizando sua infraestrutura de rede.


3.    Regulamentação e organizações no mercado de gás natural

Ao contrário do setor elétrico, que possui a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) como uma entidade centralizadora para a liquidação e gestão de contratos, o mercado de gás natural no Brasil ainda não possui uma organização com atribuições idênticas. No entanto, existem órgãos reguladores e instituições que desempenham papéis cruciais na sua estruturação e funcionamento (ANP, 2024).

3.1.    Principais órgãos reguladores

  • Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP): É o principal órgão regulador do setor de petróleo, gás natural e biocombustíveis no Brasil. Sua atuação abrange desde a exploração e produção até a comercialização e distribuição. No contexto do mercado livre de gás, a ANP é responsável por [2, 3]:
    • Outorgar autorizações para novos comercializadores, carregadores e importadores.
    • Padronizar contratos de serviço de transporte.
    • Regulamentar o novo marco legal, incluindo as especificações técnicas para o gás natural e o biometano.
    • Fiscalizar as atividades e garantir a conformidade com as normas.
  • Ministério de Minas e Energia (MME): Formulador das políticas públicas para o setor de energia. Através do programa "Novo Mercado de Gás", o MME estabelece as diretrizes estratégicas para a abertura e o desenvolvimento do mercado, buscando a competitividade e a redução de preços [1, 2].
  • Agências Reguladoras Estaduais: A distribuição de gás natural aos consumidores finais é de competência dos estados. As Agências Reguladoras Estaduais, como ARSESP em São Paulo, ARCE no Ceará, AGERGS no Rio Grande do Sul, entre outras, regulam as distribuidoras de gás canalizado em suas respectivas áreas de concessão. Em alguns casos, também autorizam a atuação de comercializadores no mercado livre dentro de seus estados, especialmente no que tange à movimentação do gás pela rede de distribuição local (ANP, 2024).

 

3.2.    Comparativo com a CCEE do setor elétrico

No setor elétrico, a CCEE é fundamental para a liquidação financeira das operações, a gestão de contratos e a realização de leilões. No mercado de gás, essa função é mais pulverizada. Contratos são negociados bilateralmente entre as partes, e a liquidação ocorre fora de uma câmara centralizada. No entanto, há discussões e um crescente interesse da própria CCEE em expandir sua atuação para o mercado de gás natural e biometano, especialmente no que se refere à certificação de origem e à possibilidade de liquidação de operações, o que poderia trazer maior transparência e segurança ao setor (ANP, 2024).

 

4.    Comercialização de gás natural e biometano no mercado livre

A comercialização de gás natural e biometano no mercado livre oferece flexibilidade e a possibilidade de negociação de preços e condições diretamente entre as partes. Para investidores na área de biogás e biometano, esse ambiente representa uma grande oportunidade (Esfera Energia, 2021).

4.1.    Biogás e Biometano: conceitos e aplicações

  • Biogás: É um biocombustível gasoso produzido a partir da digestão anaeróbica de matéria orgânica (resíduos agrícolas, industriais, esgoto, etc.). É composto principalmente por metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2).
  • Biometano: É o biogás purificado, com elevado teor de metano, que o torna intercambiável com o gás natural em todas as suas aplicações. Pode ser utilizado como combustível veicular (GNV), em indústrias, residências e para geração de energia elétrica. O biometano é considerado uma fonte de energia renovável que contribui diretamente para transição energética de baixo carbono pois proporciona a redução de emissões de gases de efeito estufa (Esfera Energia, 2021).

 

4.2.    Processo de Comercialização do Biometano para Investidores

Para um investidor na área de biogás e biometano, o processo de comercialização no mercado livre de gás natural envolve as seguintes etapas e considerações:

4.2.1.    Produção de biogás e purificação para biometano: O primeiro passo é a produção do biogás a partir de resíduos orgânicos e, em seguida, sua purificação para obtenção do biometano, que deve atender às especificações da ANP (Esfera Energia, 2021).

4.2.2.    Autorização da ANP: O produtor de biometano precisa obter a autorização da ANP para a produção e, posteriormente, para a comercialização do biometano. Isso envolve a apresentação de documentação técnica e o cumprimento de requisitos regulatórios (Energia e Biogás, 2025).

4.2.3.    Licenciamento ambiental: A planta de produção de biogás e biometano deve obter as licenças ambientais necessárias (Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação) junto aos órgãos ambientais estaduais ou municipais competentes (Energia e Biogás, 2025).

4.2.4.    Definição da estratégia de comercialização: O produtor pode optar por comercializar o biometano diretamente com consumidores livres (indústrias, postos de GNV, etc.) ou através de comercializadores de gás. A escolha dependerá do volume produzido, da demanda e da estratégia de negócio (Energia e Biogás, 2025).

4.2.5.    Contratação de transporte: O biometano pode ser transportado de diversas formas:

  • Injeção na rede de gás natural (gasoduto): Se houver infraestrutura próxima e o biometano atender às especificações para injeção na rede, é possível contratar o serviço de transporte com uma transportadora de gás natural.
  • Transporte por caminhão-feixe (gasoduto virtual): Para locais sem acesso à rede de gasodutos, o biometano pode ser comprimido e transportado em caminhões especiais.
  • Transporte de bio-GNL (biometano liquefeito): O biometano pode ser liquefeito e transportado, o que permite maiores volumes e distâncias.

4.2.6.    Contratos de compra e venda: Negociação e assinatura de contratos de compra e venda de biometano com os consumidores ou comercializadores. Esses contratos definem volume, preço, prazos e condições de entrega.

4.2.7.    Contrato de serviço de distribuição (movimentação): Caso o biometano seja injetado na rede de distribuição local para chegar ao consumidor final, é necessário um contrato com a distribuidora de gás canalizado para o serviço de movimentação.

 

5.     Documentação necessária e órgãos para formalização

Para formalizar os procedimentos e obter as autorizações necessárias para atuar no mercado livre de gás natural e biometano, um investidor precisará interagir com diversos órgãos e apresentar uma série de documentos. A seguir, um resumo dos principais:

5.1.    Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)
Documentação Principal:

  • Ficha Cadastral de Produtor de Biocombustíveis: Modelo fornecido pela ANP.
  • Dados Detalhados da Instalação Produtora: Incluindo projetos, capacidade, tecnologias e processos.
  • Relação de Tanques de Armazenamento: Especificações e capacidade dos tanques.
  • Comprovação de Atendimento às Especificações do Biometano: Laudos e certificações que atestem a qualidade do biometano conforme as Resoluções ANP nº 886/2022 e nº 906/2022.
  • Registro e Envio de Dados ao i-SIMP (Sistema de Informações de Movimentações de Produtos): Obrigatório para o monitoramento da produção e movimentação.

 

5.2.    Órgãos Ambientais Estaduais/Municipais (Ex: CETESB, FEPAM)
Documentação Principal para Licenciamento Ambiental:

  •  Estudos Ambientais: Como Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), ou outros estudos simplificados, dependendo do porte e localização do projeto.
  • Projetos Técnicos da Planta: Detalhamento da engenharia e das medidas de controle ambiental.
  • Plano de Gerenciamento de Resíduos: Como os resíduos da produção de biogás serão tratados e dispostos.
  • Outros documentos específicos: Variam conforme a legislação ambiental de cada estado ou município.

 

5.3.    Agências Reguladoras Estaduais

Documentação Principal para Autorização de Comercialização/Movimentação:

  • Documentação Societária da Empresa: Contrato social, CNPJ, etc.
  • Comprovação de Capacidade Técnica e Financeira: Para atuar como comercializador ou para garantir a movimentação do gás.
  • Contratos de Compra e Venda de Gás/Biometano: Para comprovar as operações comerciais.
  • Contratos de Serviço de Transporte e/ou Distribuição: Para garantir o acesso à infraestrutura de gás.

 

5.4.    Outros Órgãos e Formalizações

  • Receita Federal do Brasil: Registro da empresa, emissão de notas fiscais, cumprimento de obrigações tributárias.
  • Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA): Em casos específicos, se a matéria-prima tiver forte ligação com atividades agropecuárias, pode haver requisitos ou registros adicionais.
  • Junta Comercial: Registro da empresa e de suas alterações societárias.

É crucial que o investidor realize uma análise detalhada da legislação aplicável em cada esfera (federal, estadual e municipal) e busque assessoria jurídica e técnica especializada para garantir a conformidade em todas as etapas do processo.

 

6.    Considerações Finais

O mercado livre de gás natural e biometano no Brasil representa um cenário promissor para investimentos, especialmente com o avanço da agenda de descarbonização e a busca por fontes de energia renováveis. Embora o ambiente regulatório seja complexo e envolva múltiplos atores, a compreensão dos papéis da ANP, MME, Agências Reguladoras Estaduais e a atenção à documentação necessária são passos fundamentais para o sucesso dos empreendimentos. A tendência é de um mercado cada vez mais aberto e competitivo, com o biometano ganhando protagonismo como uma complementaridade, ou em alguns casos, substituto sustentável para o gás natural fóssil.

A abertura regulatória permite que consumidores escolham seus fornecedores, estimulando concorrência e reduzindo custos. Nesse contexto, o biometano surge como uma alternativa renovável e intercambiável ao gás natural, com grande potencial de inserção. A pulverização da produção do biometano, próxima aos centros de consumo e das redes de distribuição, favorece sua participação nesse novo ambiente. A viabilidade, no entanto, depende de marcos regulatórios claros, infraestrutura flexível e da harmonização entre transporte e distribuição, de forma a garantir acesso competitivo. Assim, o mercado livre de gás no Brasil representa uma oportunidade concreta para expandir a comercialização do biometano, fortalecendo a transição energética e a descarbonização da matriz brasileira.

 

7.    Referências Consultadas

 

 

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A coluna Biogás em Pauta aborda diferentes temáticas relacionadas com o processo de produção de biogás, destacando a relação com fatores ambientais, sociais, econômicos e corporativos.

 

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Autor: Heleno Quevedo

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